Bolsonaro é o boi de piranha de Trump

Jul 30, 2025 - 01:00
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Bolsonaro é o boi de piranha de Trump

Manuel Pio Corrêa é um daqueles personagens que você nunca ouviu falar nas aulas de História, mas que certamente estaria no topo da lista dos “brasileiros controversos” que merecem um documentário investigativo. 

Oficialmente? Um diplomata de terno bem passado, que atingiu o topo de sua carreira durante a Ditadura Militar. Frequentador assíduo das altas cúpulas da política latina de seu tempo. Extraoficialmente? O arquiteto de uma rede de espionagem internacional – o Ciex – parcialmente responsável por transformar “desaparecidos políticos” em uma categoria demográfica na América Latina.

Não bastasse a vida dupla, havia ainda uma terceira dimensão, pois existem fortes indícios de que o embaixador era um agente da CIA. Inclusive, é isso que afirma categoricamente o ex-espião Phillip Agee, em seu livro de memórias – diga-se de passagem, uma leitura pouco recomendada para quem esteja se dirigindo aos EUA. 

Segundo o ex-agente da CIA, Pio Corrêa não apenas era “patrocinado” pela agência de inteligência dos EUA, como agia segundo seus interesses para espalhar a “democracia americana” (leia-se: golpes militares) pelo Cone Sul. 

E antes que você pense que se trata de mais uma teoria da conspiração, saiba que o possível “patrocínio” de Pio Corrêa seria apenas uma entre inúmeras interferências norte-americanas na política brasileira da época. 

Importante lembrar, por exemplo, que antes mesmo do golpe de 64, os EUA já financiavam políticos, institutos e campanhas no Brasil, tudo em nome da “luta anticomunista” – que, convenhamos, era mais sobre proteger seus interesses econômicos do que salvar o mundo do fantasma vermelho.

Como se não bastasse, os Estados Unidos também atuavam ativamente para sabotar o país, empobrecendo-o. Nos anos pré-golpe, os EUA não apenas cortaram investimentos diretos no Brasil como usaram sua influência para congelar empréstimos no FMI e fechar as portas do Banco Mundial para o governo de João Goulart. 

E para a surpresa de absolutamente ninguém, mal os militares assumiram o poder em 1964, em questão de poucas semanas uma chuva de dólares começou a irrigar a economia brasileira. Num passe de mágica, linhas de crédito internacional se abriram para o país.  

Marcha pela Família em 1964.

Sabe aquele famoso “milagre Econômico” que o seu tio hidrofóbico adora citar no almoço de domingo para celebrar a Ditadura Militar? Nada mais que uma maquiagem contábil com esses bilhões de dólares que os EUA fizeram chover no Brasil. 

A essa altura, você provavelmente está pensando: “mas isso não é novidade, os EUA são conhecidos por ‘exportarem democracia’ mundo afora”. E sim, você tem razão. Mas o caso brasileiro tem um tempero especial: nossa relevância geopolítica. 

Ao contrário do que nosso “narcisismo às avessas” – como diria Nelson Rodrigues – nos faz acreditar, o Brasil é uma potência mundial, especialmente no Cone Sul. Importante lembrar que não apenas somos a maior economia da América Latina, como detemos um poder de influência direta sobre as nações vizinhas, para não falarmos de imensas reservas estratégicas de petróleo e minerais. 

Não à toa, os EUA temiam que o Brasil virasse uma “China das Américas” ainda nos anos 1960. E isso não sou eu quem está dizendo: esse temor está registrado numa comunicação secreta do embaixador americano à época do golpe. Junto com o temor de que se o Brasil caísse nas mãos do comunismo, os outros países latino-americanos seguiriam a tendência e se tornariam as as próximas peças do dominó, transformando-se em novas Cubas. 

E por isso dominá-lo, melhor, nos dominar, era praticamente o item número um na lista de afazeres imperialistas dos EUA na América Latina. 

Era e ainda é. Pois trago essa discussão histórica para dizer algo que deveria ser óbvio:  as tarifas impostas por Trump ao Brasil seguem a mesma lógica imperial da Guerra Fria, apenas com uma roupagem do século 21.

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Nem vou perder meu tempo explicando o quão economicamente absurda é essa medida, considerando que o Brasil opera em déficit comercial com os EUA há pelo menos vinte anos. Tampouco vale a pena gastar muitas palavras com a defesa performática de Bolsonaro. 

Bastaria dizer o seguinte: Bolsonaro é o boi de piranha de Trump. E nem estamos falando de um nelore da vida. 

A verdadeira motivação por trás dessa movimentação americana tem dois pilares bastante claros: o lobby das big techs e o fortalecimento dos BRICs. Sobre o primeiro, recomendo a leitura da reportagem de Lais Martins e Tatiana Dias, que revela como uma advogada notoriamente associada a essas empresas foi a autora do documento que iniciou a investigação comercial contra o Brasil. 

Digo isso apenas para lembrar que essas mesmas empresas estão entre as principais financiadoras da campanha de Trump. 

Surpresa? Absolutamente nenhuma. 

Não é preciso ser um gênio da geopolítica para entender o jogo: essas empresas estão retaliando o Brasil pela decisão recente do STF que a responsabiliza pelos conteúdos publicados em suas plataformas. É o primeiro passo para a regulamentação das redes sociais no país, algo que faz os executivos do Vale do Silício terem pesadelos à noite.

Especialmente se levarmos em conta que não estamos falando de um mercado qualquer, que o Brasil é o terceiro maior consumidor de redes sociais do mundo, perdendo apenas para Índia e Indonésia. 

E isso segundo métricas conservadoras, pois em algumas figuramos no topo do ranking mundial. Agora, leitor, leitora, imagine o impacto que a regulação das redes no Brasil terá no no lucros dessas empresas, melhor, o impacto doloroso. 

Temos um alvo duplo em nossas costas, ainda mais por existirmos no território que os EUA, explicitamente, consideram como seu quintal particular.

Especialmente se essa “moda regulatória” se espalhar pelos países vizinhos. 

Quanto ao segundo motivo: o anúncio do tarifaço ocorre poucos dias após a reunião dos BRICs no Rio de Janeiro. E Trump, com todo o seu refino de um elefante, já vinha atacando o bloco sistematicamente, especialmente depois do fiasco monumental de sua guerra comercial contra a China – aquela que foi vendida como “fácil de vencer”.  

Inclusive ameaçando publicamente os países que se alinhassem com a política do bloco. Vale lembrar também que o Brasil não apenas está alinhado com os BRICs – e por consequência com a China –, como somos um dos seus fundadores. O “B” da sigla é de “Brasil”. 

E isso coloca um alvo duplo em nossas costas, ainda mais por existirmos no território que os EUA, explicitamente, consideram como seu quintal particular, como disse o atual secretário de defesa, Pete Hegseth. 

É nesse contexto que o tarifaço ganha seu sentido amplo – e Bolsonaro se torna ainda mais insignificante nesse jogo. A medida visa simultaneamente agradar as big techs (fiadoras do governo Trump) e impedir o avanço dos BRICs na região que os EUA consideram seu quintal particular. 

Como nos anos 1960, dominar o Brasil se torna uma prioridade nessa estratégia. E mais uma vez a tática se repete, do patrocínio de políticos vassalos para fazer pressão interna à sabotagem financeira do país. 

Contudo, os anos 1960 passaram, os vassalos estão passando vergonha e o Brasil não depende mais dos EUA como outrora.

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