Entenda por que Moraes vetou o uso de fardas em interrogatório

Jul 29, 2025 - 01:00
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Entenda por que Moraes vetou o uso de fardas em interrogatório

No início do interrogatório dos réus do núcleo 3 por suposta tentativa de golpe nesta 2ª feira (28.jul.2025), o juiz auxiliar do STF (Supremo Tribunal Federal) Rafael Henrique Tamai Rocha afirmou que o relator do caso, Alexandre de Moraes, havia vetado o uso de fardas durante a audiência.

Diante da decisão, o tenente-coronel Rafael Martins iniciou seu depoimento no interrogatório dos réus do núcleo 3 por suposta tentativa de golpe no STF (Supremo Tribunal Federal) somente após retirar sua farda militar. Ele começou a responder aos questionamentos em torno das 19h11, depois que o juiz “passou” o réu Rodrigo Bezerra de Azevedo à sua frente. O grupo é composto por 9 militares e 1 agente da Polícia Federal, e os questionamentos aos acusados seriam por ordem alfabética.

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Para Fabio Tavares Sobreira, publicista e professor de Direito Constitucional, a decisão do ministro é “inconstitucional e abusiva” pois “fere o princípio da legalidade, da hierarquia militar, da dignidade da pessoa humana e do próprio devido processo legal”.

Segundo o especialista, se o militar está na ativa, ele tem o dever funcional de usar a farda. Isso vale para situações nas quais se apresenta oficialmente, inclusive em juízo. Leia mais abaixo.

O QUE DIZ A LEI

O Estatuto dos Militares, de 1980, dispõe de uma seção somente sobre uniformes: os artigos 76, 77 e 78.

O artigo 76 diz que “os uniformes das Forças Armadas (…) são privativos dos militares e simbolizam a autoridade militar, com as prerrogativas que lhe são inerentes”.

O artigo 77 afirma que o uso dos uniformes é estabelecido pela regulamentação específica de cada Força Armada. Ainda assim, os ítens a, b e c do artigo 77 estabelecem que é proibido o uso da farda em:

  • manifestações de caráter político-partidária;
  • em atividades não-militares no estrangeiro;
  • na inatividade.

Conforme a legislação, em princípio, o uso do uniforme é uma prerrogativa do militar, inerente ao seu próprio cargo. Por mais que cada força tenha sua regulamentação, elas não podem desviar do Estatuto dos Militares. Para proibir o uso dos uniformes, o exército específico deveria ter uma especificação neste sentido. Não é o caso do Exército brasileiro.

Na esfera militar, todo militar na ativa deve estar fardado. Mas, no caso da Ação Penal 2696, os réus estão sendo interrogados e serão julgados pela esfera comum da Justiça.A determinação de um ministro do STF também opera como uma determinação legal -tem a “mesma força” da lei.

“GOLPE JURÍDICO” 

Fabio Tavares Sobreira descreve a decisão de Moraes como um “golpe jurídico incompatível pela Constituição”. O especialista afirmou ao Poder360 que a decisão do ministro é um “ativismo jurisdicional enviesado, que ultrapassa os limites do que a Constituição Federal permite”.

De acordo com o especialista, se o militar está na ativa, ele tem o dever funcional de usar farda, especialmente quando se apresenta oficialmente. “O uso da farda, no contexto de réus militares, não é um privilégio ou um ato de afronta — é, em muitos casos, um direito que decorre da própria condição funcional do acusado”, declarou. “A Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), em especial o artigo 14, estabelece que o uso da farda é um dever do militar da ativa, salvo exceções legais ou ordens legítimas de superiores hierárquicos da própria estrutura militar”.

O publicista também classificou a ordem de Moraes como “inconstitucional e abusiva” pois  “fere o princípio da legalidade, da hierarquia militar, da dignidade da pessoa humana e do próprio devido processo legal”.

Quando questionado sobre o não cumprimento da ordem alfabética estabelecida previamente pela Corte, Sobreira afirmou que o impedimento ou o postergamento do interrogatório sem fundamento legal configura nulidade processual. “O réu tem direito de ser ouvido na forma e tempo devidos, e o ato não pode ser condicionado à exigência arbitrária ou vexatória — como a remoção da farda”.

Para o especialista, “pular a vez” de um réu em interrogatório judicial pelo fato de ele estar usando o uniforme militar representa “constrangimento ilegal” e “uma clara afronta ao devido processo legal e à dignidade da função pública exercida por aquele militar.”

ENTENDA 

As defesas de Martins e do réu Hélio Ferreira Lima, que estavam fardados, haviam questionado a determinação de Moraes assim que a audiência começou. O juiz auxiliar Rafael Henrique Tamai Rocha esclareceu a origem da ordem durante a sessão. “Essa é uma determinação do ministro relator. A acusação é contra militares e não contra o Exército como um todo”, disse ao responder aos questionamentos.

A defesa de Rafael Martins sugeriu o adiamento do interrogatório diante da determinação, já que ela não passou por um processo formal de despacho. Os advogados de Hélio Lima concordaram, e disseram que seu cliente estava sendo exposto a uma situação “vexatória” ao ter que “retirar a roupa e pegar uma emprestada”.

Em resposta, o juiz auxiliar propôs que os advogados verificassem a possibilidade de providenciar outra roupa para seu cliente enquanto ele não fosse questionado.

Lima se trocou e foi o 4º a falar, e Martins seria o 6º. Mas, como Martins ainda estava fardado, o juiz determinou que estava “suspendendo em relação a ele”, passando o réu seguinte na sua frente enquanto consultava o ministro relator.

A defesa de Martins consignou que o réu ainda estava de uniforme porque, segundo os advogados, “não houve expediente na unidade prisional” na qual ele está detido. “Só [tem] o pessoal da segurança e isso até dificulta que a gente consiga outra vestimenta para ele”, disseram. Ainda afirmaram que sua família estava impedida de realizar a diligência porque a mulher do réu acompanhava a mãe dela no hospital, e que a mãe do tenente-coronel cuidava do seu pai.

Ao final do depoimento do réu Rodrigo Bezerra de Azevedo, o juiz auxiliar tinha um parecer de Alexandre de Moraes. O ministro havia estabelecido que o réu deveria trocar sua blusa para “comparecer conforme determinado” pela Corte. Caso contrário, entenderia que ele havia utilizado o seu direito ao silêncio.

O relator escreveu o seguinte:

“Interrogatório é um ato de defesa. Se a defesa do réu não comparece conforme determinado, a sessão será encerrada. Se o réu está preso, consequentemente tem roupas a serem utilizadas, uma vez que não fica de farda na prisão. O réu tem 10 minutos para comparecer para exercer sua autodefesa. Caso não compareça, esta Corte entenderá que abdicou do seu direito e utilizou-se do direito ao silêncio”, escreveu o ministro.

O juiz auxiliar leu a nota do magistrado e perguntou aos advogados de Martins se ele participaria do interrogatório. A defesa respondeu que sim, e Rafael Martins iniciou o seu depoimento utilizando uma camisa verde-escura.

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