França e Reino Unido iniciam nova etapa da corrida nuclear

Jul 11, 2025 - 07:29
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França e Reino Unido iniciam nova etapa da corrida nuclear

A assinatura da Declaração de Northwood, nesta quinta-feira, 10, em Londres, entre França e Reino Unido, é um passo inédito dentro da corrida armamentista. Os dois países europeus eram dos poucos que mantinham cautela ao informar a respeito de seus arsenais nucleares. Eram reticentes em relação às ameaças de utilizá-los. Fizeram isso pela primeira vez, com a assinatura da declaração.

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"Nesta manhã assinamos a Declaração de Northwood, confirmando pela primeira vez que coordenaremos nossa dissuasão nuclear de forma independente", afirmou o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, durante o encontro com o presidente francês, Emmanuel Macron.

O britânico prosseguiu, ao destacar a dimensão do pacto para a Europa e para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). "A partir de hoje, nossos adversários saberão que qualquer ameaça extrema a este continente acarretaria uma resposta de nossas duas nações."

Por este documento, ambos os países se comprometem a se proteger um ao outro, inclusive com uso de armamento nuclear em caso de necessidade.

Atualmente, nove países possuem armas nucleares, sendo cinco reconhecidos oficialmente pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP): Estados Unidos (EUA), Rússia, China, França e Reino Unido. Há ainda quatro que não aderiram ou se retiraram do tratado, mas mantêm arsenais atômicos: Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte.

No último conflito entre Israel e Irã, entre 12 e 23 de junho, o objetivo de Israel era acabar com o programa iraniano de desenvolvimento de uma arma nuclear. Naquele mês, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) declarou, em seu último relatório trimestral, que o Irã havia acumulado urânio enriquecido com até 60% de pureza.

Israel possuía essas informações. O estágio do projeto iraniano revelava que o país estava a um pequeno passo técnico para atingir o grau de arma nuclear, ou seja, 90% de enriquecimento, o que possibilitava a fabricação de nove bombas nucleares.

Em 12 dias, Israel destruiu instalações-chave no vasto programa iraniano: Natanz, Isfahan e Fordow. Os EUA entraram no último dia e, ao bombardearem Natanz e Fordow, completaram os ataques israelenses.

O conflito foi a mais recente situação em que a possibilidade de um ataque nuclear se tornou iminente. Em outros momentos da história, isso já havia ocorrido, depois dos mortíferos ataques dos EUA a Hiroshima e Nagasaki.

As bombas foram lançadas pelos EUA no final da Segunda Guerra Mundial (1939--1945). A bomba de Hiroshima, ironicamente chamada de Little Boy, foi lançada em 6 de agosto de 1945 pelo bombardeiro Enola Gay e usava urânio-235.

Três dias depois, Nagasaki foi atingida pela bomba Fat Man (também nome irônico), que usava plutônio-239, lançada pelo bombardeiro Bockscar.

Estima-se que, somadas, as explosões causaram a morte de aproximadamente 200 mil pessoas, entre vítimas imediatas e aquelas que morreram posteriormente em decorrência de ferimentos e exposição à radiação.

Proposta do físico

As consequências dos ataques levaram a uma corrida nuclear e, ao mesmo tempo, à utilização das armas atômicas como forma de dissuasão. Alguns episódios em que a utilização de armamento nuclear se tornou uma ameaça iminente merecem destaque.

Antes de Hiroshima e Nagasaki, o matemático e físico húngaro John von Neumann (1903 - 1957), um dos integrantes do Projeto Manhattan, que desenvolveu as armas nucleares dos EUA, participou de uma campanha para conter a corrida nuclear e a possibilidade de uma guerra atômica.

Mas, conforme conta o economista Eduardo Gianetti no livro Imortalidades (Companhia das Letras, 2025), ele defendeu a tese de que os EUA deveriam realizar um ataque nuclear à União Soviética (URSS) de forma preventiva. O objetivo era evitar que os soviéticos construíssem um arsenal atômico. A proposta não foi aceita pelo governo norte-americano.

Uma competição acirrada prevaleceu entre os dois países. A URSS desenvolveu armas atômicas. Mas a China também entrou na mira dos EUA. Em março e maio de 1953, em reuniões do Conselho de Segurança Nacional, o então presidente Dwight David Eisenhower (1890--1969), do Partido Republicano, discutiu a possibilidade de usar armas atômicas contra as forças chinesas que lutavam ao lado da Coreia do Norte.

A argumentação foi marcada por um racional econômico: “Poderia ser mais barato, em termos monetários, usar armas atômicas na Coreia do que continuar a guerra convencional”.

Na gestão de Eisenhower, aliás, a corrida armamentista ganhou grande impulso. Ele, ao lado do secretário de Estado, John Foster Dulles, também considerou e ameaçou o uso de armas nucleares contra posições chinesas durante a Crise do Estreito de Taiwan de 1954–1955.

Baía dos Porcos

Na década de 1960, o risco se estendeu para o Partido Democrata, do presidente John F. Kennedy. A crise dos mísseis de Cuba, em 1962, quase levou a uma guerra nuclear entre EUA e URSS.

O governo soviético havia instalado a pedido do ditador comunista Fidel Castro, mísseis nucleares soviéticos em território cubano, direcionados ao Estado da Flórida.

O impasse durou 13 dias e representou o momento de maior tensão nuclear da Guerra Fria. Foi motivado pela fracassada Invasão da Baía dos Porcos, em 1961, realizada por dissidentes cubanos com treinamento da CIA e do Exército norte-americano, e pela presença de mísseis norte-americanos PGM-19 Jupiter na Itália e na Turquia.

Kennedy, nos últimos instantes da tensão, se entendeu com o ditador soviético Nikita Khrushchev. Os russos retiraram os mísseis, e os EUA se comprometeram a retirar seu arsenal da Itália e da Turquia e a não realizar invasões em território cubano.

Já em 1981, com um arsenal nuclear desenvolvido, mas não admitido formalmente, Israel atacou a usina nuclear iraquiana Osirak.

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O nome foi dado porque o projeto do reator foi desenvolvido com ajuda da França, que usou o nome Osiris para uma linha de reatores nucleares experimentais. Assim, Osirak junta Osiris (a tecnologia do reator) com Iraque (o país anfitrião), formando o nome da usina. O ditador iraquiano Saddam Hussein tinha a obsessão de construir um arsenal nuclear e investiu pesado no projeto.

Durante a década de 1970, Índia e Paquistão também desenvolveram armas nucleares. A situação de maior risco ocorreu em maio de 2025. Foram quatro dias de intensos ataques com mísseis dos dois lados da fronteira e troca de tiros de artilharia concentrados. A maior parte foi direcionada à disputada região da Caxemira.

O motivo para o conflito, segundo a Índia, foi um ataque terrorista em 22 de abril, em Pahalgam, no qual 26 turistas morreram. A Índia atribuiu a ação a grupos infiltrados no Paquistão, com o aval do governo local.

O ministro da Defesa do Paquistão, Khwaja Asif, advertiu repetidamente que o Paquistão poderia ser levado a usar seu arsenal nuclear. A população do país é um sexto e a economia, um décimo das do tamanho da Índia.

Tratados e riscos

Os países da Europa que possuem armas nucleares não costumam realizar ameaças de utilizá-las, até esta quinta-feira. Mas a simples presença delas já é uma forma de pressão.

Vários tratados estão em andamento na tentativa de controlar e até reduzir o arsenal nuclear. Além da Declaração de Northwood, a corrida armamentista nuclear começou a tentar desacelerar em 1968, com o TNP, assinado por 191 países.

Índia, Paquistão e Israel nunca assinaram o tratado. A Coreia do Norte o assinou em 1985, mas, acusada de realizar um programa clandestino, se retirou em 2003.

Em seguida, vieram os tratados Strategic Arms Limitation Talks (Salt I), de 1972, e Salt II, de 1979, que limitaram a expansão dos arsenais dos EUA e da URSS. Nos anos 1980, o Intermediate-Range Nuclear Forces Treaty (INF, de 1987) baniu mísseis de alcance intermediário. Já o Strategic Arms Reduction Treaty (Start I), de 1991, marcou o início da redução real de ogivas estratégicas.

O tratado New Start, assinado em 2010 e prorrogado até 5 de fevereiro de 2026, permanece em vigor, apesar de a Rússia suspender formalmente sua participação em 2023.

Há ainda o Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPNW), em vigor desde janeiro de 2021, com 73 ratificações até setembro de 2024, e o Tratado de Proibição de Testes Nucleares (CTBT).

O CTBT proíbe testes nucleares em qualquer ambiente e foi assinado em 1996, mas ainda não entrou em vigor. Outro documento vigente é o da Zona Livre de Armas Nucleares do Sudeste Asiático (SEANWFZ).

O SEANWFZ foi assinado em 1995 pelos dez Estados membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean): Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Myanmar, Filipinas, Singapura, Tailândia e Vietnã.

O acordo declara o Sudeste Asiático como uma zona livre de armas nucleares. A China ainda não é signatária, mas, nesta quinta-feira, se comprometeu a assinar.

Tantos tratados, porém, não estão sendo suficientes. Segundo o Stockholm International Peace Research Institute (Sipri), a corrida nuclear está se intensificando: cerca de 12.241 ogivas globais em 2025, com estoque operacional (pronto para uso) em torno de 9,6 mil.

Enquanto os EUA e a Rússia modernizam arsenais, China, Índia, Paquistão, Reino Unido e possivelmente Rússia estão aumentando suas capacidades.

O Irã não deixou o TNP ainda, mas retirou temporariamente seus inspetores da AIEA, em resposta a ataques recentes e exigiu revisão do que chama de “padrões duplos” da agência.

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