Inclusão no atendimento e o despreparo invisível do consumidor

Jul 26, 2025 - 07:00
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Inclusão no atendimento e o despreparo invisível do consumidor

Vivemos uma era em que a valorização da diversidade virou bandeira nas redes sociais. É comum ver manifestações públicas de apoio à inclusão de pessoas com deficiência em ambientes de trabalho, sobretudo em funções de atendimento direto ao público. Porém, há uma pergunta que raramente é feita: o consumidor está de fato preparado para lidar, com respeito e maturidade, com profissionais com deficiência?

Não é difícil encontrar quem diga “acho lindo ver pessoas com síndrome de Down ou com autismo trabalhando no caixa” e, ao mesmo tempo, perca a paciência na fila por causa de um atendimento mais demorado. Muitos elogiam a inclusão no discurso, mas torcem o rosto na prática. Ironizam, fazem piadas, reclamam do tom de voz, da linguagem corporal ou da maneira como a pessoa se expressa.

Esse comportamento contraditório não é apenas incômodo. Ele revela um descompasso social que coloca em risco a própria efetividade das políticas de inclusão. E mostra que o elo mais sensível dessa equação pode ser justamente aquele que deveria ser o mais simples: o comportamento do consumidor.

Empresas estão fazendo sua parte. E o consumidor?

O avanço da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é real. A legislação brasileira impõe obrigações específicas e o próprio ambiente regulatório pressiona empresas a adotarem práticas inclusivas, sobretudo dentro da lógica ESG. Há treinamentos, adaptações, investimento em acessibilidade e ações estruturadas para garantir dignidade e protagonismo a esses profissionais.

O varejo e o setor de serviços têm sido protagonistas desse movimento. Supermercados, farmácias, redes de fast food e centros de atendimento ao cliente já contam com pessoas com deficiência em funções de contato direto com o público. Muitas vezes, são profissionais comprometidos, bem-preparados e engajados em suas funções.

Mas quando a interação acontece, a postura do cliente pode se tornar o maior desafio à permanência dessas pessoas nos postos de trabalho. Relatos de capacitismo, comentários depreciativos e falta de empatia ainda são comuns. Situações como:

  • Um consumidor que se recusa a falar com um colaborador com deficiência auditiva e exige um substituto.
  • Reações impacientes diante de uma explicação mais lenta por parte de uma pessoa com deficiência intelectual.
  • Clientes que questionam “por que colocaram essa pessoa para atender” quando percebem algum tipo de dificuldade na execução de tarefas simples.

Essas situações colocam em xeque não apenas a política de inclusão da empresa, mas a própria capacidade da sociedade de conviver com a diversidade de forma madura e cidadã.

O atendimento é um espaço de convivência social, e isso exige preparo dos dois lados

É comum tratar o atendimento ao consumidor como uma relação de expectativa unilateral. O cliente exige agilidade, clareza, precisão. E é legítimo que o atendimento busque eficiência. Mas quando esse modelo é aplicado de forma cega, ele se torna excludente. A inclusão exige que essa lógica seja ressignificada. Não se trata de renunciar à qualidade do atendimento, mas de incorporar à experiência de consumo o reconhecimento de que há múltiplas formas de comunicar, interagir e atender. O acolhimento ao cliente continua sendo uma prioridade, mas o acolhimento ao profissional que atende também precisa ser parte da equação.

Nesse cenário, o jurídico das empresas pode ter um papel estratégico: ao lado das áreas de ESG, RH e compliance, pode ajudar a construir modelos de atendimento inclusivo que contemplem não apenas os direitos das pessoas com deficiência como colaboradoras, mas também a necessidade de conscientizar o público consumidor sobre o seu papel nessa relação.

O fortalecimento de uma cultura inclusiva não é apenas uma pauta de RH ou ESG. O jurídico corporativo, ao integrar sua atuação à governança e à gestão de riscos, torna-se peça-chave na consolidação dessa cultura. Pode, por exemplo, revisar políticas internas, orientar a comunicação com consumidores, mitigar potenciais exposições reputacionais e garantir que a inclusão não seja apenas um valor declarado, mas uma prática sustentável e protegida juridicamente.

É preciso entender que a cidadania do consumidor não se limita ao direito de ser bem atendido. Ela envolve também o dever de respeitar o outro. De compreender que nem toda dificuldade é incompetência. Que nem todo erro operacional é motivo para humilhação. E que a inclusão verdadeira exige convivência com o diferente, mesmo que isso signifique sair do script do atendimento perfeito.

Sem empatia no balcão, não há inclusão que resista

Empresas podem treinar, investir, adaptar e contratar. Mas nenhuma política de inclusão se sustenta se, na ponta, o consumidor ainda tratar a diferença como falha. A boa vontade institucional precisa ser acompanhada de maturidade coletiva. Quando a inclusão é celebrada apenas nas campanhas de marketing, mas desrespeitada na fila do caixa, há um abismo ético que precisa ser enfrentado. E esse enfrentamento exige uma revisão profunda da postura do consumidor como agente social.

Incluir não é tolerar. É reconhecer valor. É sustentar a dignidade de quem está ali, exercendo um trabalho legítimo e necessário, mesmo que em condições diferentes das convencionais. É entender que empatia, paciência e respeito não são favores. São o mínimo esperado de quem se diz parte de uma sociedade mais justa.

Inclusão sem preparo do consumidor também pode gerar riscos silenciosos às empresas. Conflitos interpessoais, reclamações em canais públicos, exposições nas redes sociais e crises de imagem são algumas das consequências possíveis quando a inclusão não é acompanhada por educação social e comunicação institucional estratégica.

A inclusão que começa na empresa só se completa no olhar do consumidor

A transformação começa nas empresas, mas se consolida no cotidiano. O jurídico pode orientar, a gestão pode implementar, o RH pode formar. Mas nada disso será suficiente se o consumidor, enquanto elo ativo da experiência de atendimento, continuar agindo com despreparo emocional e social.

De que adianta defender a inclusão nas redes sociais se, na prática, falta empatia na hora que ela importa? Cidadania se constrói com atitudes. E o respeito à pessoa com deficiência, enquanto profissional, colega ou atendente, é uma das mais urgentes e necessárias. Reconhecer esse valor é essencial não apenas para a justiça social, mas também para construir ambientes de trabalho verdadeiramente sustentáveis, humanos e coerentes com os compromissos que as empresas assumem diante da sociedade.

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